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"As esverdeadas e as enrugadas"

(Ilustração de Annelie Carlström, fonte: Gringo, número 3, 2008)


No ano passado, a curiosa frase de minha sobrinha Luana, "Eu pioro quando tomo sol", me motivou a escrever o texto "Black is Beautiful". Naquela ocasião me chamava a atenção o fato de que aqui, na Suécia, o que ocorria parecia ser exatamente o contrário: as meninas loiras, as quais a Luana, de 7 anos, já havia aprendido a venerar, tingiam seus cabelos de preto ou marron. Passavam horas estiradas ao sol (natural ou artificial) para tentar ter a pele que ela, Luana, não aprendeu ainda a ter orgulho.

Há uns dois meses, eu tava comprando um sushi pro jantar e dei de cara com a revista sueca "Gringo" e, apesar de meu sueco não ser lá essas coisas, consegui entender o artigo e achei extremamente curiosa a relação entre o meu texto e o de Elaine Bergqvist. Mais fantástica ainda pensar na semelhança entre a Elaine criança e a minha sobrinha Luana. 

Pedi, então, à minha querida amiga Juliana, que me ajudasse com a tradução do texto, a fim de publicá-lo aqui no blog. Ela fez mais que isso e me ajudou a entender perfeitamente cada palavra escrita da autora. Não é uma tradução super literária, mas a gente se divertiu fazendo a uma mão e meia (uma dela, meia minha) e pensando as relações todas com a cultura brasileira.

Espero que gostem do texto tanto quanto nós gostamos.


...

"As esverdeadas e as enrugadas"

"Por que vocês frequentam o Solarium até empalidecer? Por que vocês se deitam no sol como peixes mortos, durante todo o verão? Talvez não seja correto que uma pessoa com raízes brasileiras coloque essa pergunta? O fato é que todos nós já escutamos a frase: "Black is beautiful", mas "White is also beautiful". Eu acho que está na hora de nós refletirmos isso, antes que a metade da população sueca aparente ter sessenta e cinco, aos trinta anos. 


(Solarium muito comum em qualquer esquina da Suécia, onde é possível ficar com a pele bronzeada em apenas alguns minutos)


Eu cresci com os contos de fadas da década de 80, nos quais a Branca de neve tinha uma pele branca e linda como neve, e bochechas rosadas. Ao me olhar no espelho, como uma garota de cinco anos de idade, eu percebi que eu não era como ela, a linda Branca de Neve. Ao contrário, eu parecia Alfons Åberg, depois de ter caído em uma poça de lama.


(Alfons Åberg, personagem de livro infantil sueco)


A Cinderela tinha os cabelos compridos e louros, mas eu tinha o cabelo bombril. Os meus amiguinhos da creche diziam que parecia algodão. Entretanto, os livros não falavam nada sobre Princesas de cabelo afro. Os bruxos é que tinham. E aquela não era uma comparação nada agradável para uma criança de cinco anos descobrir. 


(A famosa, loira, amada, admirada ou odiada Cinderella)

Para mim, a semelhança era muito óbvia e surpreendente. Eu não chegava nem perto das lindas princesas dos contos de fadas. Eu parecia o bruxo "vaffödårå trollen" da Ronya Rövardotter e outros bruxos dos quais as princesas defendiam as outras princesas. E assim, eu jogava os livros e deixava o meu temperamento brasileiro vir à tona. Depois eu corria para a cozinha e punha para fora minha frustração em cima da minha mãe: "Eu quero ser branca mamãe!" 

Agora eu sou mais velha e aprendi a admirar a minha cor de pele. Eu também percebi que os contos de fada mudam. O ideal não é mais o mesmo. Agora as princesas têm os peitos grandes, são queimadas de sol e são loiras. Que combinação perfeita! São elas que conseguem os olhares, trabalham como apresentadoras de programa de TV e ganham as competições de "Reality show". Quando essas princesas morrem, elas ganham mais atenção da mídia do que notícias de massacre e fome. Além disso, muitos são os que imitam essas princesas da mídia. Nem todo mundo se deixa levar pelo silicone, mas quase todos pelo tom "amarronzado" de pele. Alfons na poça de lama é o que tá na moda. Todo mundo tem quer estar bronzeado.

Em muitas partes da África as pessoas invejam a pele delicada das suecas. Elas usam produtos químicos  para clarear a pele que, com o tempo, resultam num tom esverdeado. O Incrível Hulk é o resultado. Se continuarmos dessa forma, o branco e o negro desaparecerão. Surgirá um grupo de enrugados e outro de esverdeados."




Elaine Bergqvist, autora do texto, vive na Suécia. 
É escritora e consultora de Retórica.



Juliana Marina Hjörringgaard, tradutora do texto, 
é carioca, estudante de informática e vive na Suécia há cinco anos.

....


* a primeira imagem é parte do texto de Elaine, as restantes foram acrescentadas por mim para ajudar na leitura do texto.

** ano passado eu coloquei apenas a letra da canção da Elis com o mesmo título desse post, mas acrescentei agora a canção no link do lado direito, para quem quiser conferir a beleza da composição e a relação dela com os dois textos citados aqui. 

Comentários

Anônimo disse…
Amei o texto! Só vc mesmo, pra encontrar uma coisas dessas comprando sushi pro jantar! :-)

Confesso que já tive muito orgulho de ficar "neguinha" qdo ia pra praia. Mas hoje em dia, to mais pra curtir uma sombra (do guarda-sol), com FPS30, sem dispensar meu chapéu.
Em apenas 1 ano de Suécia, noto que to + branquela... mas tá ótimo assim. Pelo menos eu demoro + tempo pra entrar na turma das enrugadas (rsrsrs).

beijos
xu
Somnia Carvalho disse…
Muié, fico hiper mega tripla feliz que você tenha gostado do texto. Segundo meu marido desacreditado, Renato, esse texto não daria "ibope". hahaha... porque ele achou sério demais a questão... mas eu adoro!

então, acho que eu nunca pensei tanto em usar protetor e sol como aqui, quando vejo essa mulherada de pelezinha clara se expor assim no sol! você ta certa! lasca protetor na pele e chapeu na cabeça... a gente ganha um pelezinha melhorzinha e um charme a mais com o chapeus!

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